domingo, 16 de dezembro de 2007

Como é a maquiagem de um palhaço etíope?


Dias atrás Salvador esteve empestada de palhaços. Tive a infeliz constatação quando passei pela Praça Municipal: havia quilos de palhaços. Assim também na Praça da Sé, Praça Castro Alves, Praça da Piedade, no Campo Grande, Passeio Público, Nazaré, Campo da Pólvora, Centro Histórico, quiçá, Cajazeiras. Obviamente fiquei espantado, não estava entendendo do que se tratava, exatamente porque sei que não era a semana do circo e o dia do palhaço, como por interferência divina, coincide com o dia da poesia (nestes tempos de pobres versos veio a calhar), que é o dia do nascimento de Castro Alves (me parece, porque assim o fazem os literatos da Bahia, o único poeta baiano). Como se não bastasse meu semblante estarrecido, neste mesmo dia, findado o meu passeio, à luz do crepúsculo, fui à padaria: lá estava um palhaço tomando coca-cola. Admito que do espanto fui à beira do questionamento: “estou vendo coisas?”


Descrente ainda do que estava ocorrendo, no caminho de casa, ao atravessar a rua, no ônibus que acabara de passar, lá dentro haviam dois palhaços fazendo peraltices com os passageiros. Nesse preciso momento, embora pudesse a partir daí cair no abismo da loucura, tive o mais lúcido lapso de certeza da minha vida, quando afirmei, em voz alta: “Isso é coisa do Governo.”


Acertei. Não exatamente na mosca. Mas o tiro não saiu totalmente pela culatra. Acreditei grosseiramente que tanto palhaço espalhado pelas ruas da cidade fosse uma forma grotesca e ineficaz de o Governo acalmar os ânimos, calar, ligeiramente, um ou outro bocão muito falador, amansar a população quanto às transformações que tanto falou-se antes de chegar ao poder. Porque me mantenho sempre atento a tudo, no noticiário da noite, tive a precisa informação da real mudança que estava acontecendo em Salvador: o Encontro Internacional de Palhaços.


Antes de qualquer explanação adiante quero deixar claro que não tenho absolutamente nada contra o Secretário da Cultura, o diretor de teatro. Nada mesmo. Admito que me solidarizei tanto com tamanha pressão que o rapaz sofreu desde que assumiu o cargo que até fiz, sozinho, passeata em apoio ao digníssimo. Uma pena ninguém ter notado ato tão nobre. Não tenho também aqui a intenção de dar seqüência às tantas opiniões sobre as ações do diretor de teatro, suas declarações, intervenções e invenções. Bem sei a origem do Secretário, dizem até um revolucionário na área – nunca assisti a uma peça sequer do diretor de teatro -, e talvez tenha sido essa raiz a principal influência para abrigar cá na nossa cidade um evento tão desinteressante e assustador.


Eu não poderia perder a oportunidade, corri atrás da programação e fui a todas as palhaçadas possíveis. Confesso que ri muito - por dentro. Contorci-me. Passei mal. E o que pude notar nestes dias de riso solto, onde a cidade ficou mais lúdica e mais bonita, tal qual um picadeiro, foi uma natural inexpressividade que uma atração como esta possui nos dias de hoje, onde as piadas e fanfarras já não tocam e, deprimente, não fazem graça mesmo às pessoas mais simples - no máximo um riso raso no canto da boca. O importante Encontro teve sim grande aceitação (não sei se houve gargalhadas) entre os que defendem o discurso de cultura popular: artistas universitários, professores universitários e universitários universitários. A meu ver fica mais do que claro que há aí, por parte do diretor de teatro, um leve sopro para aliviar o tapa com seus compadres artistas universitários, professores universitários e universitários universitários, que até então vinham descascando a pele do diretor de teatro. Já vislumbro uma mudança de atitude, tanto palhaço na rua decerto salvará a pele do Secretário.


Fora isso, a pretensão e o sentido mais sem sentido de sediar aqui um Encontro Internacional, porque, vejam bem, não é regional, nem mesmo estadual – o que já seria uma coisa descabida -, é um encontro INTERNACIONAL, ou seja, entre os tantos palhaços que tive o desprazer de assistir e ver perambulando pela cidade estavam ali uns tantos italianos bufões, originais clowns ingleses, bobos da corte dinamarqueses e, por que não, um ou outro palhaço etíope.


Mas, alto lá: não lembro, neste passeio cultural, de ter visto minimamente um palhaço etíope. Em todas as apresentações, assim como nos panfletos da programação, anunciava-se a origem dos alegres que nos fariam rir. E, pasmem, não ouvi o anúncio de um palhaço etíope sequer. Como classifico tal falta? No mínimo, incoerência. Pois numa cidade de população absolutamente afro-descendente - pelo menos é essa a denominação dominante e politicamente correta - no Encontro INTERNACIONAL de Palhaços não haver um desgraçado de um palhaço etíope, das duas uma: ou não existem palhaços na Etiópia, ou é uma atitude explicitamente racista por parte da Secretaria de Cultura do Estado. Seria mais do que imprescindível um representante de um país africano num Encontro como este, que como já está bem visto, não é um Encontro qualquer, é o Encontro INTERNACIONAL de Palhaços. Imperdoável não haver a presença de um palhaço africano – não vou mais exigir um palhaço etíope, não precisa tanto, bastava um palhaço sul-africano, branco mesmo, mas que fosse filho da terra, sangue preto da África.


E por uma questão bastante visível, em função de vivermos há mais de uma década num mundo globalizado, sinto dizer, mas não existe a possibilidade de não haver no continente africano um palhaço, ao menos um palhaço. Também não me convenço de que seja falta de vontade política, pois creio que não tenha sido tão barato assim trazer, por exemplo, o engraçadíssimo palhaço suíço – só de lembrar suas palhaçadas choro de rir, por dentro, é claro - para demonstrar suas graças em pleno Centro Histórico. A ausência de um serelepe palhaço africano legítimo num evento tão importante – de tal importância que praticamente fecha com chave de ouro o tempestivo ano de 2007 da cultura na Bahia – é verdadeiramente, não canso afirmar, racismo, comumente praticado no Brasil: racismo velado.

E ao me dar conta de tal situação, fica mesmo aqui, para mim, que acompanhei todas as peraltices nesses circenses dias, uma frustração, uma lástima, porque talvez um único palhaço etíope que estivesse neste Encontro pudesse verdadeiramente me fazer rir, num Encontro não coerentemente INTERNACIONAL. Mas nem essa chance, nós, soteropolitanos, tivemos.

Pois é, e eu que um dia tanto esbravejei contra Cotas e Reparações que considerava infundadas, depois deste fundamental Encontro INTERNACIONAL de Palhaços, ora vejam, penso, sensivelmente, em rever meus conceitos.

quarta-feira, 5 de dezembro de 2007

O AVESSO DO OPORTUNISMO


Tenho cá minha simpatia pelos oportunistas, sim. Não só os do campo, sempre bem colocados ou sortudos. Assim parece: o sr. Mário Jorge Lobo Zagallo é oportunista. Mas não é. Talvez essa constatação confunda mesmo os que guardam uma certa desconfiança ou até antipatia ao troncudo velhinho (eu era menino, e Zagallo já era velho). Os oportunistas, de fato, têm o talento de fazerem novas e oportunas amizades e estão sempre dispostos a participarem de grupos os mais consistentes e com algum alcance de poder. Zagallo é comparsa do poder no futebol do Brasil há décadas. Disso já sabemos, é sem novidade. A proeza deste homem está no fato de ele não ser mesmo um oportunista – embora a sua história, a grosso modo, imprima atestados deste tipo.
Achei uma verdade absoluta: Zagallo é um ignorante. Um assassino do futebol. O homem errado na hora errada. E errado também na hora certa.
As provas? pois vejam bem, TV Bandeirantes, agosto de 2007: dez anos atrás a Seleção brasileira armara em seu ataque uma dupla que em curto espaço de tempo marcou o futebol mundial: Romário e Ronaldo. Ambos juntos não perderam uma partida sequer. Foram diretamente fundamentais em todos os jogos em que estiveram juntos. E juntos fizeram mais de trinta gols em dezesseis jogos. Zagallo era o técnico. A chance de um ignorante, por méritos próprios, entrar para a História. Como um bom não-oportunista, Zagallo desperdiçou. Romário e Ronaldo marcariam muito mais e além se no ano seguinte, ano de Copa, permanecessem. Zagallo cortou Romário. Motivo falso e nitidamente pessoal. E por causa dessa atitude, não permitindo que na maior vitrine desse esporte esta dupla estivesse em campo, mudou a História do futebol. 
Uma contribuição do velho lobo: um vice-campeonato. Tudo isso sob o controle de um esquema tático (4-3-1-2): sem sentido, sem nexo, vazio. Esta, uma outra contribuição. E não é só isso naquela copa. Não contente, Zagallo esquartejou o futebol de Giovani, meia, à época, uma temporada antes, no Santos, inteligente, frio, objetivo. Sem rumo, restrito, cauteloso, sem pernas e sem raciocínio, quadrado aos limites do meio de campo na Copa de 98. Depois disso? Giovani amargou anos sem vestir a camisa amarela. Sumiu. Escafedeu-se. O cara é assassinado e ainda leva culpa. Sua temporada no Barça também desapareceu.
Engraçado, ele, o Zagallo, não sofrera o bombardeio esperado da imprensa ao fim da Copa de 98. Talvez pelo mérito de ter vencido como coordenador técnico a Copa de 94. Não foi. O centro das atenções: especulou-se, à derrota para a França, o time ter entregado o jogo. Duvido. A merda fez-se antes. Zagallo a fez.
Das cinzas dos bastidores da CBF, ressurge Zagallo, para comandar a Seleção rumo à Copa de 94. E fez sua parte :dois homicídios, sob a cumplicidade do vagaroso Parreira: Zinho e Raí.

Zinho: meia esquerda do palmeiras, bom armador, começara a carreira como lateral no Flamengo, campeão brasileiro de 93. (ganhara o doce apelido de enceradeira na Copa de 94. Ordens de Parreira, sob a instrução ao pé de ouvido do Sr. Mário Jorge). 
Zinho, em entrevista, dez anos depois: “Segui as instruções dos professores.”
Raí: grande meio campista, anos antes pelo São Paulo, campeão de quase tudo no Brasil e nos torneios mundiais de clubes, recém chegado, à época, ao PSG, dupla de meio campo brilhante com Leonardo. (Zagallo, às cataratas, não viu brilho. Leonardo na Seleção é lateral esquerdo. Raí, sem cheiro, sem sal, cheio de dedos, não rodava como Zinho, passava a bola de um lado a outro. E só. Mazinho tomou-lhe a posição. Nosso armador da Copa de 94? Dunga. Arreganhando e legitimando de vez o ciclo da "era Dunga" no futebol mundial).
 
Meses antes, nas eliminatórias daquela Copa, Zagallo mostrou seu poder de influência e ignorância: Romário, rei de Barcelona, volta à Seleção apenas no último jogo daquele torneio. Apresentação de gala, aplausos e imprensa cada vez mais atenta aos percalços da infame dupla de treinadores. Sentiram-se obrigados a levar Romário. Uma andorinha só faz verão sim. Romário fez: dois gols, banho de cuia, tabaca, bola na trave, elástico... 
Zagallo fez verão também, só que em 74. De novo o mestre interrompe a História do futebol brasileiro, saído de uma espetacular Copa do Mundo, a de 70, sob a expectativa de outra Copa brilhante, ele consegue montar uma equipe sem vida, apagada. Não deu outra: chumbo na boneca. Passou um carrossel sobre o canário.
Já a Copa de 70, decerto, assumo, me entrego, é nenhuma: nítida exceção às claras provas de ignorância do Zagallo. Ali sim puro oportunismo. Ali, naquela equipe montada pelo João Saldanha, Zagallo mexeu naquilo que o Médici queria: Dadá Maravilha na Copa. Manteve o restante. Sua melhor ação? a não-ação. Soldado mandado... mas a grande influência de Zagallo mesmo naquela Seleção deslumbrante virou lição desaprendida nos dias de hoje: a desobediência. Zagallo dizia sim. Em campo, o time jogava não. Deu no q deu: espetáculo. Ainda não era o lobo carrancudo e ousado de tempos pra cá. 
E não é que reaparece, em 2006, o velho lobo versão múmia viva? como um bom ignorante, Zagallo entrou mudo, saiu calado. Assim como a Seleção.
Pois então, está sabido: Zagallo é - enquanto técnico, coordenador técnico - a figura viva do anti-futebol. A mais clara burrice no manuseio de uma equipe de futebol. O perfeito exemplo de como não se jogar futebol. O avesso do oportunismo. 
Eu engulo sapo. Só não engulo Zagallo.