terça-feira, 26 de agosto de 2008

A UNE REUNE... 36 MILHÕES DE REAIS. PRA QUÊ?


Porque venho passando por terríveis problemas de saúde, meu médico recomendou que eu ficasse distante dos acontecimentos, distante da leitura e também distante do ato de escrever. Por alguns meses permiti-me dar credibilidade às estranhas indicações de meu médico. Mas existem males que nos aliviam, que nos fazem bem. Resolvi voltar a escrever. Embora não tenha sido uma atitude voluntária, não busquei assunto algum, o assunto me persegue há algumas semanas. E o que me assusta é que determinadas coisas que acontecem nesse país não assustam mais.


Percebam: O Governo Federal indenizará em até R$ 36.000.000,00 a UNE, pelo incêndio de 1964 e pela posterior demolição em 1980. De propósito deixei escritos os ilimitados zeros do recheado valor. Pois bem, aí está porque já não posso mais cuidar de minha saúde em paz. Eu quero que me expliquem, logicamente, de que forma se equipara o estrago feito à instituição e o valor que se estabelece pagar. Parece coisa de propaganda de TV: “Não tem preço.” Pois tem sim. E o preço é altíssimo. Tem valor de escolas, postos de saúde, valor de investimento em segurança pública, em habitação e esportes. Mas o presidente Lula preferiu reparar o erro cometido pelo Estado autoritário brasileiro a esta importante instituição – não houve até aqui um nanico espírito de porco a manifestar a ressalva de que o Estado brasileiro à época era comandado por uma Ditadura militar, naturalmente, sem a participação do povo, dos partidos e entidades sociais.


Ironia tem hora certa e lugar. Quando digo que a instituição é importante estou falando sério. O histórico da UNE deve mesmo ser respeitado. Mas não há histórico queimado de instituição alguma que valha 36 milhões de reais. Um abuso. E mais do que isso, um descompromisso da própria UNE ao aceitar – sorriso largo no rosto – este valor. O mais ético e condizente com sua luta, seria a rejeição de tal valor, exigir que este valor se reverta, minimamente, em projetos de educação, em prol dos próprios estudantes. Mas por debaixo dos panos do Planalto, quando se é “situação”, não existe pecado, já se sabe, tudo é muito relativo.


A pergunta me atordoa: pra que a UNE quer 36 milhões de reais? De que forma os seus membros, de escalões menores, poderão acompanhar a utilização desse dinheiro na própria instituição? O que se diz é que este prêmio da Megasena será utilizado para a reconstrução da sede carioca, e o projeto será desenhado – se ainda houver tempo e vida para isso – por Oscar Niemeyer. Sabe-se que este valor de indenização equivale a seis vezes o valor avaliado do terreno, fora as frescuras que o arquiteto do século passado ainda insiste inventar, nem assim gastar-se-á o prêmio inteiro. Claro que, além disso, deve-se fazer compra de materiais, mas nada que chegue a torrar toda essa fortuna.


Então, eu sugiro que se faça das duas uma, ou as duas talvez: pode-se aproveitar o projeto do velho arquiteto e o caráter mais moderninho da UNE e criar anexo à sede um mini-shopping temático, claro – vendendo boinas, camisas com rosto de Che, Bob, Lenin e Chavez, chaveirinhos, lanchonetes –, pois além de estar dando oportunidade de emprego, criando mão-de-obra, a UNE terá em mãos um capital rotativo do qual não mais precisará da mão amiga do Governo: bom para o povo, ótimo para a UNE. A outra opção se dá em função do tamanho descrédito do Movimento perante os estudantes, por isso, para reparar esta desavença, creio que seria mais proveitoso e politicamente bem articulado se a UNE passasse a pagar uma ajuda de custo a todo estudante que a mesma convidasse a participar de passeatas, assembléias, motins e piquetes. Seria, sem dúvidas, militância garantida por mais tantas décadas e uma forma muito mais próxima de se efetivar uma política pública tal qual à do Governo Federal – um projeto com nome de efeito, “Bolsa-Estudante”, “Bolsa-Militante”, ou coisa parecida.


O impasse que vem me deixando angustiado nesses dias é não saber quem é mais inescrupuloso: o Governo de direita que abre concessões a empresários, privatiza órgãos federais e permite juros e taxas abusivas a Bancos? Ou o Governo de Esquerda que abre mão do dinheiro público para reparar um erro que a Democracia não cometeu, mas ainda assim o faz, como um aparato político, uma vez que um movimento a mais que não incomode as ações federais, haverá menor necessidade de retaliação? Neste segundo caso, para não parecer desleixo e desconsideração de um presidente com o histórico que o Lula tem, acho que poderia sim, deveria sim, ser concedido um valor simbólico de indenização, exatamente porque a o Estado democrático não tem nada com o incêndio nem com a demolição. Poderia ser tão simbólico – guardadas as devidas proporções – quanto o orçamento direcionado à saúde, educação e segurança, poderia ter sido esta indenização, e creio que deveria partir da própria UNE a sugestão, um paliativo entre tantos em vigor nesses dois mandatos de esquerda.


Quando Fernando Gabeira, ex-PT, atual PV, candidato a prefeito do Rio de Janeiro, declarou, depois do prêmio da Megasena aprovado, que a UNE não é mais a mesma, fiquei na dúvida se o que ele queria dizer é que a UNE, com esse dinheiro, poderá se estruturar a ponto de deixar o caráter estudantil e tornar-se profissional – com mini-shopping e “bolsa-militante” – ou a declaração soava como desilusão, ao constatar tristemente o fim de um tempo em que a bandeira azul vinha à frente e representava, sim, a classe estudantil brasileira.