Há tempos vejo rapazes e moças suspirando na saída do cinema após um filme do Pedro Almodóvar. Geralmente essa gente que leva pra casa um semblante leve de quem acabara de levar uma surra de flores são artistas universitários, professores universitários, universitários universitários. Então pensei: “Tem algo errado aí.” Pobre da mosca porque o tiro foi certeiro. Pois, vejam só, me dei ao trabalho de ir à locadora e suguei tudo que havia do aclamado diretor roteirista tarado espanhol. Desde “Maus Hábitos” até os mais recentes “Volver” e "Má educação”.
Apesar de ter sofrido por um fim de semana inteiro – que parecia nunca chegar ao fim, e não sei bem se foram as horas que realmente duraram a passar, ou se eu já sofria com tanta cor vermelha na cara –, os filmes do Almodóvar deram-me apenas uma, mas significativa, contribuição, sem semblante leve nem tapa de rosas: a constatação de que filmes pornográficos são arte.
(Claro que não estou dizendo que o tal Almodóvar seja um diretor roteirista tarado espanhol pornográfico. A alcunha do rapaz, para mim, ainda é a de um diretor roteirista tarado espanhol cult.)
O problema é que se faz uma grande confusão, até mesmo, me parece, um proposital equívoco, quando se classifica o filme pornográfico como filme de baixa categoria, e isso se dá pelo conteúdo em si, pela inexistência exata de roteiros, pelo fato de se utilizar câmeras caseiras, a péssima atuação dos atores... uma gama de argumentos tentando desqualificar este gênero, e, o que considero muito pior, defini-lo como qualquer coisa, menos como um filme artístico.
Pois bem, quando perco uma tarde inteira assistindo Sessão da Tarde, não só eu, como a maioria das pessoas – universitárias ou não – sabem que aquele filme ali, seja comédia romântica, seja comédia pastelão estadunidense, todos sabem que é um filme, que é arte, que por pior que seja estão ali inseridos componentes suficientes para considerá-lo como uma manifestação artística. Só não consigo ver diferença entre um filme desses, de Sessão da Tarde mesmo, e um filme pornográfico. Em ambos os casos os tais componentes estão ali, havendo, é verdade, a diferença do olhar, enquanto julga-se o filme bobo ou a comédia romântica pela questão, em geral, temática e estética, o filme pornográfico sofre de um falso-moralismo abrangente e praticado em todo o contexto social: do padre ao professor universitário.
Porque já é costume ter o filme pornográfico como coisa para se falar cochichando, havendo até gente que nega já ter assistido ou que goste de assistir um filme pornográfico. Casos vejo de pessoas saindo das locadoras com um filme desses na mão como se levassem uma arma sem porte, tamanho é o medo de serem julgadas. Além disso, quando levam o filme para casa é preciso que todos estejam dormindo e ninguém nunca saberá que dentro daquele lar já entrou, um dia, um filme pornográfico. Ou até mesmo pessoas que vão aos cinemas de temática estritamente pornográfica o fazem com a maior das cautelas como se fizessem parte de uma seita satânica. Não há mesmo privacidade para esse tipo de privacidade, sobrepõem-se, decerto, os olhares gulosos de moralidades mentirosas, como se o que se passa num filme pornográfico fosse algo fora da realidade, da vida real.
Mas, percebam: é sim algo fora da vida real, mas sob um outro ponto de vista, não o da moral, sob o ponto de vista artístico mesmo, porque um filme pornográfico retrata da forma mais visceral possível a representação lúdica de uma relação sexual, por mais real – e não há outra forma de se fazer um filme pornográfico se não pelo ato sexual explícito – que uma cena se mostre, aquilo que o ator e a atriz fazem, a forma como fazem não tem relação alguma com a forma real como nós na vida real fazemos sexo. A ereção do ator é capaz de durar minutos intermináveis, a atriz, através de seus gemidos, nos dá a impressão de estar sentindo prazer em todas as partes do corpo e a relação em si, passando por preliminares e posições das mais variadas, chega a durar, inevitavelmente, os mesmos minutos intermináveis da ereção do ator.
Fora isso, os filmes que ainda ousam algum roteiro o fazem dentro do plano da fantasia, buscando o mesmo efeito que buscam os diretores cult em relação ao seu público: mexer com a sensibilidade do espectador, dar a ele alguma sensação, que, obviamente, vai depender da história que o diretor se propôs a contar. Então assim é o caso de filmes pornográficos em que o patrão se relaciona com a empregada, a vizinha que se joga nos braços do vizinho, o encanador que é assediado pela dona da casa, a garota que chama a amiga para ter relação sexual com seu namorado, filmes em que aparecem anões, idosos, sexo com animais, dupla penetração, dupla penetração vaginal, homens com pênis de tamanho desproporcional... a vida real, na grande maioria das vezes, não é assim. Ou seja, existe, está claro, uma série de elementos lúdicos neste gênero, levando aos seus espectadores a sensação de estar se passando ali a realidade sexual, quando é, na verdade, uma idealização de realidade, no caso específico uma idealização da realidade sexual. Se isso é esteticamente bom ou ruim, é preciso uma análise mais aguçada, o que é bem diferente de já partirmos para o desastroso julgamento moral, porque, vejam, um exemplo nítido são os filmes românticos que sofrem o julgamento estético e filosófico de serem filmes que retratam uma realidade que não existe e alimentam a idealização do amor perfeito, da busca de uma alma gêmea, e é este julgamento, por mais ranzinza e psicológico que seja, que não é minimamente utilizado quando se fala em filmes pornográficos.
Outro argumento comum que se usa para deslegitimar o conteúdo artístico de um filme pornográfico – e consequentemente legitima-se aí o falso moralismo – é de que os filmes pornográficos, por não terem enredo são todos iguais, seja na Guatemala ou na Holanda. Mas eu acho graça, porque o tal Almodóvar, tão aclamado – e tem lá seus méritos – e festejado faz filmes muitíssimo parecidos, a temática, os tipos de personagem, as histórias, e não ouço uma voz sequer maldizendo o diretor por ser repetitivo, muito pelo contrário, aquele que o fizer há de ser execrado do meio que freqüentar.
(A última que eu soube foi que o Alexandre Frota, por ter feito em curto espaço de tempo tantos filmes do gênero, perdeu o contrato que há tempos possuía com a ADIDAS, pelo simples fato de ser tachado como ator exclusivamente pornográfico. Um absurdo! Porque confunde-se a ficção com a vida real, assim como acontece nas novelas – por outros motivos, é claro – o ator ou a atriz de um filme desses fica restrito ao título de “pornográfico”, quando não por títulos de idoneidade ínfima.)
Os filmes pornográficos são no mundo todo uma grande indústria, que produz quilos de película por ano, emprega milhões de pessoas, além de darem uma relevante contribuição para as artes, desde a representação em si da realidade até mesmo dando ascensão ao que jamais esteve morto e tende a continuar vivo no ser humano: o seu caráter, imprescindivelmente, lúdico.