segunda-feira, 20 de abril de 2009

HÁ MIRA PARA A CENSURA?


O sangue que outrora pingava de jornais impressos já há algum tempo derrama aos litros nas telas de televisão. O que antes, lido, nos dava a sensação por meio de nossa capacidade imaginativa hoje salta aos olhos, pronto e mastigado. E neste caso, bem na hora do almoço: O programa “Na mira”, da TV Aratu, esta semana sofreu liminar do Ministério Público e tem sua exibição proibida. Se contrariar a decisão judicial, terá de pagar diariamente uma singela multa de R$ 50.000,00.


Eis mais um retrato fiel de nossa falsa democracia: tão grave quanto a liberdade de expressão interrompida, existe aqui o julgamento moral de uma específica classe social tomando proporções institucionais, determinando o que todos – independente de classe – devem consumir ou assistir. Porque uma coisa é fato, a proibição, a atitude de condenar o programa não partiu de nenhum movimento social popular, muito pelo contrário, as pessoas mais pobres – logo, as que vivem à margem – se identificam com o programa, assistem-no religiosamente todos os dias e não se queixam de ver seu prato de comida ganhar o tempero cru de corpos fuzilados, brigas de vizinhos, apreensão de drogas e até manifestações demoníacas em igrejas evangélicas.


Há quem prefira Disneylândia, há quem fique com a novela. Nossa decadente classe média, que já não tem tantas opções nem condição de pagar o pacote mais simples de uma TV a cabo, é obrigada a suportar a realidade sem máscara nem disfarce, se vê obrigada a fomentar seus medos, porque preferem manter-se distantes de assuntos, que acreditam, estar fora de seu contexto social. Já a elite não tem nenhum dedo nessa atitude arbitrária porque tem coisas mais sérias a resolver, como a crise financeira, por exemplo.


O programa “Na mira” pode não ser mesmo uma referência de educação na TV, mas deseducar e enganar não são suas prerrogativas, o que é muito comum em propagandas publicitárias (comerciais e governamentais), nos ditos telejornais sérios e nos despretensiosos programas de entretenimento. Por mais escrachada e anedótica que seja a abordagem das nossas mazelas por parte do sensacionalista Uziel, não dá o direito à classe média de saltar do espanto ao esmagamento constitucional, passando por cima de um direito legítimo e há tão pouco tempo conquistado: a nossa liberdade de expressão. Não dá direito ao Ministério Público camuflar-se de censor em pleno século XXI.


Os que se dizem esclarecidos – decadentes socioeconomicamente falando – justificam esta forma singela de censura querendo fazer-nos crer que o tal programa incentiva a violência. Mas como se incentiva ao que é intrínseco no ser humano? De fato, o programa reacende em nós nosso instinto mais primitivo – não é por acaso que são as camadas mais populares as que se identificam, porque vivem no limite de sua sobrevivência -, mas, por outro lado, as cenas chocantes quando vêm à tona em formato de imagem animada, nos dá uma dimensão mais precisa e palpável do que está ao nosso redor. Os tais esclarecidos, ao invés de fazerem desta constatação um instrumento de radical mudança da realidade, resumem suas ações a um ato de censura, tirando o programa do ar, levando-se por seus instintos egoístas de classe, preferindo esconder a vida real, se utilizando de mentirosas justificativas, que vão desde acusações racistas a intolerância religiosa.


Outros tantos programas, outras tantas atitudes, em outras épocas – não se enganem, estou falando de um Brasil recente, pós-Ditadura Militar – sofreram a repreensão desses novos censores. Ratinho sofreu liminares por causa do modo abusado e circense de mostrar a intimidade popular; Gugu passou por poucas e boas por conta de suas atrações pitorescas e pseudo-eróticas; e até o global Fausto Silva foi reprimido por causas das esquisitices que se apresentavam em seu palco. Pois bem, a vontade popular é quem dá a resposta na medida certa. Na maioria das vezes, a crescente e espontânea falta de interesse, o desgaste natural por parte do próprio público em relação a esses programas funcionou muito mais do que as tentativas judiciais de proibição. O enjôo popular foi o grande júri desses medalhões: Ratinho, porque não renovou-se, sumiu do mapa; Gugu apelou para os meios filantrópicos de ganhar audiência e vem mantendo regulares pontos de audiência; Fausto Silva teve de renovar-se e deu certo, voltou ao topo do IBOPE aos domingos.


Não somos inocentes ao ponto de negar em cada um de nós a censura moral que a todo tempo exercitamos. O problema é quando esta amena censura ganha proporções institucionais, quando ela é legitimada e se torna lícita sob o comando de uma determinada classe social que acredita ser a nata intelectual do país, porque ainda ergue, soberba, um suposto título de elite cultural.


Não vou mentir, temo ver, num futuro não muito distante, pregadores da palavra bíblica, esses que se espalham em praças públicas e em pontos de ônibus, sendo detidos por atentado à fé. Ou aos ouvidos, talvez.