Reconheço
sim na minha cara robusta um tanto de pessimismo aparentemente assustador. Na
minha cara, porém, não está meu coração, sem modéstia, singelo e cheio de
esperança. E me dei conta de que devo desde já transparecer na cara o coração
quando passou por minha vida, dia desses, não um rio, mas um arco-íris. Vi de
perto, comovido, em pleno centro da cidade, a Parada do Orgulho Gay. A comoção,
fique claro, não foi a de quem sentiu-se despertado por um súbito impulso
homossexual e muito menos por achar bonito o beijo entre iguais em gênero – até
porque considero o beijo mais obsceno do que a relação sexual, seja entre
heterossexuais, seja entre homossexuais.
Ah, a
comoção, o deslumbramento, tudo mais nítido e cheio de vida despertados em mim,
levando a tímidas lágrimas, porque vi, nas entrelinhas da festa, um pedaço
significativo das positivas mudanças porque o mundo passa. A ascensão da
liberdade homossexual, a meu ver, é o contraponto moral mais eficiente nos dias
atuais. É nesse simples ato livre, que ainda tanto afeta doentios
heterossexuais, que está uma das chaves da grande mudança interior dos seres
humanos. Digo isso porque a partir da homossexualidade aspectos sociais,
econômicos, filosóficos e morais já vêm passando e hão de passar cada vez mais por
alterações que dão à vida das pessoas um novo caráter, fazendo do corpo mero
artífice sexual, tomando como essência a alma, em seu mais amplo e integral
conceito de humanidade.
Decerto é
exagerado – embora para mim qualquer exagero é sempre esteticamente tocante –
dizer que a homossexualidade vai salvar o mundo. Convenhamos que não salve por
si só, mas o ponto fundamental da salvação está sim nos gays, lésbicas e afins.
Tomo como exemplo a abrangente afetação moral que essas pessoas causam nos
supostos normais, a diversidade e liberdade de escolha ou simplesmente a
liberdade de ser o que é, já vem sendo exemplo para as novas gerações,
garotinhos e garotinhas, ainda em tenra idade, não se reprimem em seus atos –
nos meninos, atos mais delicados; nas meninas, robustos atos – e nem são tão
reprimidos como em outras épocas outros meninos e meninas sofriam. A vantagem
de ser o que é torna, sem dúvida, a convivência familiar mais transparente, o
garotinho já não se sente culpado pelo gosto que tem tocar outro garotinho, a
menina se sente à vontade a sentir mais além a pele da sua amiga, pois já não é
mais o tempo das trágicas histórias do Nelson Rodrigues, a hipocrisia na vida
familiar, a duras penas, é claro, vem sendo quebrada, gradativamente, graças à
homossexualidade.
Outra
contribuição, ainda dentro do contexto familiar, está na morte do homem
machista, no nascimento da mulher agressiva. No cemitério da vida moral é onde
os machistas se encontram hoje porque o aparecimento crescente e sem freios do
homossexual permite ao homem experimentar sensações reprimidas por séculos
infindáveis, permite que o homem chore, esperneie, olhe o mundo com mais
doçura, influenciando, inegavelmente, os homens heterossexuais, influência esta
que é de grande importância principalmente na vida amorosa e familiar, pois no
lugar do macho vê-se, aos montes, homens delicados, donos-de-casa, mais amantes
e menos agressivos com suas companheiras, buscando em si mesmos o prazer de
saber dar prazer à mulher amada. A geração aos turbilhões de mulheres
agressivas tem trazido contribuições também fundamentais, pois essa
agressividade é o passo determinante na conquista da Razão por parte das
mulheres, pois hoje, estas enxergam determinados aspectos na vida social com
mais frieza, mais cautela, sem o comum desespero feminino, fazendo, assim, o
equilíbrio essencial e que vem servindo de exemplo e influenciando as
novíssimas e ilimitadas mulheres heterossexuais.
O aspecto
sócio-econômico é o que já vem trazendo bons frutos, pois socialmente estabelecida
a relação homossexual, este tipo de envolvimento é o freio que faltava à
Humanidade na sua densidade demográfica, nesse crescimento populacional
desequilibrado, uma vez que a geração de uma nova vida entre pares de gênero
igual é biologicamente impossível, tornando possível, à medida em que o tempo
passa e a homossexualidade torne-se absolutamente abrangente, uma qualidade de
vida ideal, pois quanto menos pessoas melhor se pensa e se pratica as formas de
distribuição social de recursos materiais. Mas é óbvio que para chegarmos ao
lugar que Thomas Moore inventou (a difamada Utopia) é necessário muito mais do
que já vem sendo feito, é preciso sim uma campanha maciça – e falo isso
pensando em vias práticas de execução – a favor da legitimação e incentivo
familiar e social à homossexualidade, na busca inovadora de influenciar seus
filhos e filhas ao gosto homossexual, revolucionando costumes – dar boneca a
meninos, dar bolas de gude a meninas – e quebrando as tendências ditas normais
– perguntar ao menino quem é o namoradinho dele na escola etc. Essa campanha
além de trazer, embora a longuíssimo prazo, os benefícios democráticos da
distribuição material, imprime nas novas gerações atitudes mais dóceis nos
homens, ações mais práticas e inteligentes nas mulheres.
Anexo à
campanha que proponho, seria imprescindível partir do governo federal um
incentivo, que pode acontecer desde já, aos homossexuais adultos, à adoção de
crianças, matando dois coelhos numa só cajadada: menos crianças nos orfanatos
(o que significa mais amor entre seres humanos) e naturalmente menos gente
gerada no mundo (porque a partir desse incentivo, nenhum dos parceiros ou
parceiras vai se submeter a fazer um filho fora da relação, uma vez que terá o
direito, por lei, de adotar uma criança).
A separação
sexo x amor está melhor configurada numa relação homossexual, nela as barreiras
impostas na dura e repressora relação heterossexual não se fazem presentes,
pois a liberdade, e porque não dizer, a libertinagem do corpo, do impulso
sexual ultrapassa limites que vão aflorar numa visão mais voltada à essência
humana, distanciando-se mais e mais da hipocrisia tão em voga entre
heterossexuais quando dizem sentir prazer e desejo apenas entre si mesmos. O
despudor corpóreo trazido pela homossexualidade e sua utilização
prioritariamente para a satisfação sexual faz das sensações, fundamentais à
renovação do espírito, uma eterna novidade. Essa separação, para muitos,
drástica, é a mais simbólica e fundamental contribuição da ascensão
homossexual, porque se identifica mais claramente nessa revolução moral o
conteúdo humano, a demonstração explícita de se ver as pessoas como pessoas,
amando-as como pessoas, como almas humanas em si, desprezando, ainda que
implícito, classificações, dando ao gênero – antes protagonista – o mero papel
de figurante nesse novo e especial contexto da Humanidade.
A mudança já
teria dado passos muito mais largos se não fossem, sabe-se, as Instituições que
insistem introduzir nas pessoas a repulsa a homossexuais, e essa repulsa
propagada ora aparece de cara aberta nas igrejas, centros espiritualistas,
mesas de bar e Forças Armadas, ora camufla-se nas Jurisdições e parlamentos
políticos. Em resposta a estes ataques ainda constantes, a reação homossexual
de maior relevância infelizmente é a de menor eficiência, e talvez a que mais
prejudica o natural andamento da transformação em foco. Porque se fecha em
guetos, criam grifes, bares, departamentos, revistas e até igrejas, a
homossexualidade estagna-se como folclore, e pior do que isso, configura sobre
si mesma perante a sociedade a insistente e prejudicial imagem de “diferente”,
“extravagante”, “anormal”. O que seria uma defesa ganha a pólvora de
fogo-amigo. Claro que deve se separar o joio do trigo, a formação de grupos em
defesa dos homossexuais é fundamental, pois preza pela defesa, pela integridade
de, antes de tudo, seres humanos. Nesse ponto sim é importante a classificação,
embora não seja o suficiente para legitimar os chiliques verborrágicos e
provocações piadísticas e pouco relevantes de Luis Mott quando diz que quase
todo mundo na História foi gay, desde São Sebastião (que morreu flechado com um
pau nas costas) até um Zumbi dos Palmares (talvez porque fora esquartejado e
colocado à mostra com o próprio pênis na boca).
Ainda que
intercalado a ações equivocadas e ligeiros vazios de conteúdo, vê-se na
configuração do ser humano do século XXI o retorno do grande crescimento de
nossas almas, numa analogia, aqui, lógica, ao período helenístico, onde a
homossexualidade tinha função social efetiva, onde mestres e discípulos –
homens – se envolviam, por inteiro, no aprendizado filosófico. A analogia cabe,
mas sofre a diferença fundamental quando se percebe que é neste século onde
estão se configurando homens e – agora sim – mulheres que são, antes, seres
vivos, humanos, demasiado humanos, que pensam e podem, à medida que os passos
se tornam largos, à medida que a repulsa seja banida, exercer ostensivamente
sua plena e delirante liberdade, e porque não dizer, digo outra vez, sua plena
e delirante libertinagem.