De uns tempos pra cá quase não se zela por esta constatação fundamental citada por Mikhail Bakhtin: “O carnaval é o mundo às avessas.” E é no carnaval onde, explicitamente, as manifestações artísticas alimentam seu delírio maior, sem amarras, sem delimitações: o carnaval é o devaneio da arte.
E foi no Rio de Janeiro, que neste Carnaval, Paulo Barros, carnavalesco da Escola de Samba Viradouro, teve seu trabalho censurado, quando tentou desfilar no Sambódromo um carro alegórico que representaria o Holocausto, dentro do enredo “É de arrepiar”. A polêmica se deu principalmente quando a Federação Israelita do Rio de Janeiro soube que, no ponto mais alto do carro haveria um personagem fantasiado de Hitler. Consideraram escárnio, desrespeito. Entraram com ação na justiça e ganharam. Quem morreu na forca? A liberdade do artista.
Este não é o primeiro ato arbitrário no carnaval carioca. Joãozinho Trinta sofreu desta morte duas ou três vezes. E eis que então Paulo Barros, discípulo do premiado carnavalesco, é batizado, sofrendo sua primeira morte.
Muito ao contrário dos argumentos colocados sobre a intenção do artista, não havia escárnio algum. Havia sim uma atitude séria, levando para a Avenida um assunto relevante e, decerto, um alerta para este tipo de atrocidade que foi o Holocausto. Fazia-se, no carro, uma relação entre a imagem e a sensação que a mesma causou e ainda causa nas pessoas: uma emoção aterrorizante, um arrepio na alma. Ou seja, Paulo Barros estava minimamente tentando cumprir seu papel de artista, mostrando às pessoas, através de uma atitude poética, a vida nua e crua. E mesmo a presença de um “Hitler”, pisando os corpos naquele carro, não seria de forma alguma motivo de escândalo, seria a representação artística da realidade em si. Mas o devaneio de Barros não foi compreendido.
Houve quem berrasse dizendo que não teria cabimento um tema como este em pleno Carnaval. Ora, vejam, é obviamente uma visão minimalista em comparação à grandiosidade do que representa o Carnaval, é visão de quem acha que ali tudo não passa de uma festa apenas, sem espaço para melancolias ou assuntos sérios. Pois saibam, Carnaval é espaço sim para assuntos sérios e melancolias, mas bem ao modo do próprio Carnaval, com tamborins, marcação, cuíca, repiques e pandeiros. Além de ser uma visão equivocada, há um desconhecimento, uma total ignorância, pois são inumeráveis os enredos referentes à escravidão, por exemplo, dentro do Carnaval carioca em todos esses anos, e nem por isso, pelo fato de estar no Carnaval, deixa de ser assunto sério a escravidão, um constante alerta para um país miscigenado, mas que insiste velar um racismo abusivo.
(Muito além, estes enredos fizeram com que as Escolas de Samba saíssem à frente das metodologias de ensino do país, colocando na Avenida a mesma história vista no colégio, só que “debaixo para cima”, o ponto de vista de quem faz a História, não de quem a escreve. É a arte cumprindo sua função social).
Alguns anos atrás até mesmo Salvador – onde o Carnaval tende a ser mais democrático no sentido da participação – sofreu represálias. A banda Jammil lançara uma canção que se referia ao tão comum entorpecente “Lança-perfume” – que todo mundo sabe que é abertamente consumido no Carnaval de Salvador. A banda foi acusada de estar incitando as pessoas a usarem o “Lança-perfume”. Sofreu liminar. Foi parar na forca. Quase morreu. Foram proibidos de tocar a música durante o Carnaval, mas este “quase morreu” se deu porque nos trechos menos visados pelas emissoras de tevê, Jammil e outros tantos artistas tocaram a canção acompanhados por um coro efervescente de foliões felizes por estarem ali colocando em prática sua inviolável liberdade delirante.
É preciso perceber que no Carnaval não cabem julgamentos, não deve haver moral nem regras, porque neste período – que, visto dentro do calendário nacional e católico, é o período que antecede a quaresma que desemboca na Semana Santa – as comuns regras do dia a dia da cidade sofrem rompimentos, e a vida, neste curto espaço de tempo, torna profano o que é sagrado, libertando-se das repressões religiosas.
Quando o tema em pauta é Carnaval cabe sim cuidado no sentido de que deve-se deixar que a atitude carnavalesca, ao menos por esses 4 a 5 dias, permaneça intacta, inviolável. E colocar qualquer tipo de mordaça nas manifestações artísticas presentes no Carnaval é arrancar da arte sua livre ação no momento mais precioso em que esta se apresenta, neste instante de dias de devaneio, em que a vida não deixa de ser observada e refletida, apenas ganha um ponto de vista diferente da tão comum razão, impreterivelmente através de sambas ou frevos.
Alguns anos atrás até mesmo Salvador – onde o Carnaval tende a ser mais democrático no sentido da participação – sofreu represálias. A banda Jammil lançara uma canção que se referia ao tão comum entorpecente “Lança-perfume” – que todo mundo sabe que é abertamente consumido no Carnaval de Salvador. A banda foi acusada de estar incitando as pessoas a usarem o “Lança-perfume”. Sofreu liminar. Foi parar na forca. Quase morreu. Foram proibidos de tocar a música durante o Carnaval, mas este “quase morreu” se deu porque nos trechos menos visados pelas emissoras de tevê, Jammil e outros tantos artistas tocaram a canção acompanhados por um coro efervescente de foliões felizes por estarem ali colocando em prática sua inviolável liberdade delirante.
É preciso perceber que no Carnaval não cabem julgamentos, não deve haver moral nem regras, porque neste período – que, visto dentro do calendário nacional e católico, é o período que antecede a quaresma que desemboca na Semana Santa – as comuns regras do dia a dia da cidade sofrem rompimentos, e a vida, neste curto espaço de tempo, torna profano o que é sagrado, libertando-se das repressões religiosas.
Quando o tema em pauta é Carnaval cabe sim cuidado no sentido de que deve-se deixar que a atitude carnavalesca, ao menos por esses 4 a 5 dias, permaneça intacta, inviolável. E colocar qualquer tipo de mordaça nas manifestações artísticas presentes no Carnaval é arrancar da arte sua livre ação no momento mais precioso em que esta se apresenta, neste instante de dias de devaneio, em que a vida não deixa de ser observada e refletida, apenas ganha um ponto de vista diferente da tão comum razão, impreterivelmente através de sambas ou frevos.
Um comentário:
Meio exagerado o "...no Carnaval não cabem julgamentos, não deve haver moral nem regras...".
As leis mal vigoram em dias comuns, imagine se resolvermos romper o frágil fio q as sustém, ainda q seja no período momesco.
Entendo e até aprecio alguns excessos carnavalescos, mas temos q os continuar tratando como excessos, como atitudes passíveis de julgamento.
De resto, concordo contigo. Censura é uma "disgraça"!!!
Abraço, Demerval!!!
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